E-commerce: abusividade e ilegalidade do bloqueio de conta pela plataforma de venda online
- Gabriel Dalanezi
- 2 de mar. de 2022
- 3 min de leitura

Segundo as estatísticas apresentadas pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM), o Comércio Eletrônico vem crescendo exponencialmente nos últimos anos no Brasil.
Nesse meio, estão envolvidos diversos players, como, por exemplo, os usuários- vendedores, usuários-compradores e os marketplaces (Mercado Livre, Shopee, Magalu, Dafiti, etc).
Muitas são as relações jurídicas criadas entre tais players, sendo algumas dessas de natureza consumerista (artigo 3º, do Código de Defesa do Consumidor) e outras de natureza civil.
Neste artigo falaremos de uma situação bastante comum vivenciada pelos usuários-vendedores na relação destes com os marketplaces: o bloqueio/suspensão da conta de vendedor por conta da judicialização de controvérsias.
A título de exemplo, note a seguinte cláusula dos Termos e condições do Mercado Livre:
"10.O Mercado Livre firmou convênios e parcerias com diversas autoridades com o objetivo de promover e incentivar a solução amigável de controvérsias e evitar a judicialização de questões que podem ser resolvidas administrativamente, razão pela qual, os Usuários aceitam e se comprometem a utilizar as ferramentas da plataforma (reclamação/ mediação) como primeiro meio para a solução de controvérsias decorrentes das compras e vendas realizadas no site Mercado Livre. Os Usuários também poderão buscar a solução de controvérsias de consumo por meio do serviço www.consumidor.gov.br, mantido pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que é disponibilizado gratuitamente aos consumidores de todo o país".
A referida cláusula, a priori, possui, de fato, uma finalidade muito importante que é a promoção dos meios alternativos de conflitos, visando evitar a judicialização e, assim, contribuir para a diminuição dos processos judiciais na sobrecarregada justiça brasileira.
Porém, não raras vezes são relatadas ocorrências de bloqueio/suspensão de conta de vendedor por judicializações de conflitos com as plataformas, que, as vezes, mesmo erradas do ponto de vista legal, não resolvem os problemas e acabam criando uma situação de manifesto desiquilíbrio contratual para com os sellers do tipo: "não tenho como resolver o seu problema e se judicializá-lo, bloqueio/suspendo a sua conta por tempo indeterminado".
Além de abusiva e ilegal, tal medida é um tremendo absurdo, deixando os sellers reféns da plataforma e com enormes prejuízos na maioria dos casos, uma vez que, com a conta bloqueada, não conseguem vender, e, se não conseguem vender, não conseguem lucrar, e, consequentemente, não conseguem pagar tributos e demais despesas, inclusive os salários dos funcionários.
Caso o usuário-vendedor tenha tido a sua conta bloqueada, mesmo tendo tentado resolver a controvérsia (seja qual for) administrativamente e seguido todas as orientações da plataforma, ele DEVE judicializar a questão.
Note, abaixo, duas decisões nesse sentido, proferidas pela 1ª Turma Recursal, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR):
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MERCADO LIVRE. BLOQUEIO/SUSPENSÃO DA CONTA DO VENDEDOR. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAR VENDAS. RETENÇÃO DE VALORES NA PLATAFORMA MERCADO PAGO. ILICITUDE DO BLOQUEIO RECONHECIDA NA SENTENÇA. DEMORA EXCESSIVA EM APRESENTAR SOLUÇÃO ADMINISTRATIVA. LIBERAÇÃO DOS VALORES SOMENTE APÓS O AJUIZAMENTO DA DEMANDA. APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO EM R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PARÂMETROS DESTA TURMA RECURSAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Recurso conhecido e provido. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0010169-10.2019.8.16.0018 - Maringá - Rel.: Juiz Nestario da Silva Queiroz - J. 14.12.2020).
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. MERCADO LIVRE. BLOQUEIO DA CONTA DO VENDEDOR. RETENÇÃO DE VALORES NA PLATAFORMA MERCADO PAGO POR PERÍODO EXCESSIVO. CRÉDITO SUFICIENTE PARA COMPENSAR AS PENDÊNCIAS. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A PERMANÊNCIA DO BLOQUEIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS EVIDENCIADA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO EM R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. LUCROS CESSANTES NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0033377-50.2018.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS NESTARIO DA SILVA QUEIROZ - J. 02.08.2021).
Portanto, ante a ilicitude do bloqueio da conta do seller, não existe outra solução que não a judicialização da questão, visando o desbloqueio na justiça, através de uma ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos materiais e morais, se, além dos danos patrimoniais, verificar-se, no caso concreto, ofensa a um interesse existencial e/ou valor fundamental protegido pela Constituição Federal de 1988, como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88).
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